Não resta dúvida de que a sociedade
brasileira está saturada já há muito tempo desse modelo de campanhas eleitorais
de promessas vazias, de mundos e fundos, que todos sabem que não serão
cumpridas e que todos esquecem rapidamente. Mas existe um vício de dupla mão:
se o candidato não promete e mostra projetos realizáveis apenas, não será
eleito, se faz as promessas mirabolantes sabendo que não cumprirá. Já o eleitor
vota nos gurus para, depois de consolidados nos postos, alegar que fora
enganado pelas promessas.
Se não me falha a memória de cidadão,
a atual presidenta da República prometeu a construção de dois milhões de
moradias no seu mandato. No fim desse ano já transcorreu metade dele e não se
tem notícia se um milhão já foi entregue. Em sã consciência, quem votou com
base nessa promessa, não se deu conta da sua inviabilidade porque não quis.
Apesar de o histórico ser antigo
entre o “tudo que será feito” e o quase nada realizado, o eleitor continua com
esse fingimento de se fazer enganar. Antes, as críticas eram atribuídas às
compras diretas em rincões do Brasil. Algumas condutas tornaram-se clichês que
hoje se virariam verdadeiros memes na internet. O mais destacado seria a tal da
dentadura em duas metades, uma antes e outra depois da eleição. O par de sapatos
entregue nas mesmas condições seria outro, pé direito para garantia, pé
esquerdo depois de confirmado o voto.
Existe um inconsciente coletivo em
todo o país de que somos uns pobres coitados, vítimas eternas dos políticos,
gestores, e até dos pretendentes a esses cargos. Compra e venda de votos todos
têm um conhecimento empírico dessa prática. Como tudo que é ilegal, ninguém
passa recibo, e quando entrega não vem com a indicação da mercadoria correta. Negócios de compra e venda no
andar de cima são mais velados, porém de resultados mais concretos. Nos meios
políticos, essa negociação recebe o nome de apoio, de base aliada, de
governabilidade. É aceita como legal e legitimamente por todos.
Não resta dúvida de que as pessoas
precisam se apresentar ao público em geral, nem todos são conhecidos o
suficiente para se eleger a algum cargo. Mas o modelo de campanhas está por
demais saturado. A maioria defende causas genéricas e redundantes, porque
ninguém em sã consciência seria contra, mas poucos têm alguma ideia inovadora.
Sou João da Silva lutarei pela “pela educação de qualidade”; sou Zé da Perua,
defenderei as causas dos perueiros. Assim se dissemina a cultura de falar
bobagens com base na nas pesquisas de que elas alcançam público e votos.
Poderiam ao menos colocar alguma informação de interesse geral nos baners, nas
bandeirolas, nos pronunciamentos no rádio e na televisão. Reforçar a
necessidade do exame de toque, da consulta ginecológica, aos pais para levarem
as crianças ao dentista, além de tantas outras.
Como os exageros estão presentes em
todas as ações humanas, algumas campanhas são recheadas de abusos linguísticos,
do poder econômico e algumas chegam ao cometimento de eventuais crimes,
amparadas sempre no binômio necessidade do eleitor e poder econômico do
candidato. Meu amigo Glauco Rodrigues da Conceição, morador de Caieiras, Grande
São Paulo, tem especial aversão às campanhas eleitorais envoltas na exploração
de crianças e repassa toda notícia de que tenha conhecimento. As mais recentes
foram comentários de moradores da vizinha Franco da Rocha de que o atual vice e
candidato a prefeito estaria se utilizando de um programa de entrega de leite
para angariar votos, conduta semelhante à ocorrida na capital, onde santinhos
de candidatos teriam sido entregues junto às caixas de leite em pó.
Certo mesmo é que as campanhas nesse
padrão existem pela mesma razão que as baixarias na televisão: muita gente
aceita e dá retorno. Assim como só o traficante é execrado - eles são crias dos
usuários, também só existe o explorador e comprador de voto porque tem uma
vasta clientela faminta de benesses e favores. Apesar desse argumento para pôr pingo
nos is, estou com o Glauco, porque isso não retira a legitimidade do combate
permanente. Da mesma maneira que se combate a morte mesmo com a certeza da
derrota.
Pedro Cardoso
da Costa – Interlagos/SP
Bacharel em direito